O agronegócio brasileiro, apesar de gerar impactos ambientais significativos e contribuir para a concentração de terras e riquezas, é considerado essencial para a economia do país. Essa atividade assegura um superávit na balança comercial e estimula o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Estudos indicam que o setor agropecuário pode representar até 25% do PIB quando se leva em conta os efeitos nos ramos de transporte, insumos e agroindústria, conforme referência da Universidade de São Paulo (USP).
Esta é a última matéria da série especial Fronteira Cerrado, da Radioagência Nacional, que examina como o desmatamento deste bioma, impulsionado pelo agronegócio, impacta os recursos hídricos do Brasil.
Os danos ambientais ocasionados pelo agronegócio incluem o desmatamento do Cerrado, um bioma crucial para a segurança hídrica nacional, considerado o “berço das águas” por abrigar nascentes de oito das doze bacias hidrográficas do Brasil. Dados do MapBiomas apontam que a vegetação nativa do Cerrado foi reduzida em 50%.
Airton Zamingnan, líder do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas, no Maranhão, um dos principais focos de expansão agrícola da região, defende que a ausência do agronegócio manteria a localidade entre as mais vulneráveis socioeconomicamente. “Você espera que uma grande montadora se estabeleça onde não há agronegócio? É improvável. Aqui temos clima, solo e um porto adequado”, afirma.
Danilo Fernandes, economista da Universidade Federal do Pará (UFPA), ressalta que a análise do setor não pode se restringir apenas ao PIB. “Quanta terra é necessária para gerar esse PIB? Quais outras possibilidades estão sendo destruídas? O PIB que gera riqueza nesta hora provoca desmatamento, degradação do solo, diminuição da biodiversidade e possível redução das chuvas. Além disso, esse PIB é altamente mecanizado, exigindo pouca mão de obra”, explica.
O professor enfatiza a necessidade de restringir a expansão do agronegócio. “Não podemos eliminar o setor, mas é fundamental limitar seu crescimento, pois isso pode tornar-se um câncer”, adverte.
Financiamento Público
A ascensão do agronegócio brasileiro está diretamente relacionada à sua competitividade no mercado internacional. Recentemente, o Brasil se destacou como o maior produtor de soja do mundo, um feito que, segundo especialistas, resultou do apoio estatal nas últimas décadas.
Entre os fatores que impulsionaram esse crescimento estão a disponibilidade de terras baratas, muitas vezes adquiridas de forma irregular, além de incentivos fiscais e empréstimos subsidiados por meio do Plano Safra, que alcançou em 2025 um valor recorde de R$ 516,2 bilhões. Para a agricultura familiar, o volume foi de R$ 89 bilhões, com uma alta de quase 50% em comparação ao ciclo anterior, segundo dados do governo federal.
Gilberto de Souza Marques, professor de economia política da UFPA, argumenta que o retorno social do agronegócio é baixo, considerando os aportes financeiros públicos. “A capacidade de geração de empregos é limitada, especialmente se comparada ao montante financeiro e isenções fiscais concedidas”, afirma.
Distorções Econômicas e Políticas
De acordo com Danilo Fernandes, décadas de apoio governamental geraram distorções no mercado, elevando os preços dos alimentos no Brasil. Bruno Bassi, coordenador do projeto De Olho Nos Ruralistas, alerta que a concentração de poder entre grandes proprietários de terras, que representam apenas 1% a 2% do total, resulta em uma significativa desproporção na representação política, com uma bancada influente no Congresso Nacional.
“Com a desigualdade na representação, como podemos afirmar que vivemos em uma democracia?”, questiona Bassi.
A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), presente na COP30, sublinha que o setor agrícola pode ser parte da solução para as questões ambientais. A instituição pretende destacar a “produção sustentável” do agronegócio brasileiro em suas divulgações.
Iara Bueno Giacomini, diretora de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), comentou sobre a vontade do governo de colaborar com o agronegócio em políticas que promovam práticas mais sustentáveis. “Nossa abordagem não é de acusação, mas de encontrar soluções que protejam o negócio e o meio ambiente”, concluiu.
Entre as iniciativas destacadas está o projeto Ecoinvest, que garantiu R$ 30 bilhões para a recuperação de pastagens degradadas e aumento da produtividade agrícola.
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