Ativistas pedem que Cerrado tenha importância política equivalente à Amazônia na COP30 em Belém

Descubra por que o Cerrado, berço das águas, é vital contra as mudanças climáticas e como o desmatamento ameaça as reservas hídricas do Brasil.

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Ativistas pedem que Cerrado tenha importância política equivalente à Amazônia na COP30 em Belém

À medida que o mundo se mobiliza para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP30, marcada para acontecer em Belém (PA), cientistas e defensores do meio ambiente propõem que o Cerrado receba tratamento equivalente ao da Floresta Amazônica, devido aos serviços essenciais que este bioma oferece à sociedade. Conhecido como “berço das águas”, o Cerrado abriga nascentes de oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil.

Estudos recentes enfatizam que o Cerrado é vital na luta contra as mudanças climáticas, especialmente por sua capacidade de armazenar água. Estima-se que 40% da água potável brasileira tenham origem nesse bioma. No entanto, o avanço do desmatamento, em grande parte impulsionado pelo agronegócio, está agravando a crise de disponibilidade hídrica na região. Esta matéria faz parte de uma série especial chamada Fronteira Cerrado, produzida pela Radioagência Nacional, que explora o impacto do desmatamento no Cerrado e como isso afeta os recursos hídricos do Brasil. Novos conteúdos serão divulgados diariamente ao longo da semana.

A pesquisa intitulada “Cerrado: o Elo Sagrado das Águas do Brasil”, divulgada recentemente, analisou as principais bacias hidrográficas do Cerrado. A Ambiental Media revelou que o Cerrado experimentou uma perda de 27% na vazão mínima em comparação com a década de 1970. Essa redução equivale a uma perda de 30 piscinas olímpicas de água a cada minuto.

Os autores da pesquisa identificam dois fatores principais que contribuem para essa situação: o desmatamento, responsável por 56% do declínio nas vazões, e as mudanças climáticas, que representam 44%.

O geólogo Yuri Salmona, um dos responsáveis pelo estudo, projetou que até 2050 o Cerrado pode perder mais um terço de suas reservas hídricas, o que afetaria todos os outros biomas do Brasil.

“Esperamos um cenário mais desértico, com escassez de água e conflitos relacionados a esse recurso. Nossa matriz energética é dependente de hidrelétricas, e a falta de água compromete a geração de energia. Além disso, 80% da área irrigada do país está situada no Cerrado, e aproximadamente 50% da água captada é destinada à agricultura, enquanto cerca de 11% vai para a pecuária”.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que o Cerrado continua sendo o bioma mais afetado do Brasil, superando a Amazônia, mesmo com uma redução de 11% no desmatamento entre agosto do ano passado e julho deste ano.

Adicionalmente, o Código Florestal brasileiro permite que até 80% das áreas privadas no Cerrado sejam desmatadas, em contraste com o limite de 20% para a Amazônia.

Ouça e baixe a primeira reportagem da série Fronteira Cerrado: o coração hídrico do Brasil sob ameaça

Desafio “invisível” e “complexo”

O governo federal reconhece que a degradação hídrica em andamento pode comprometer a segurança de água no Brasil, mesmo sob controle do desmatamento ilegal.

A diretora do Departamento de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Iara Bueno Giacomini, reconhece que a gravidade do problema não é plenamente compreendida pelo público em geral.

“É difícil quantificar algo que não vemos. A maior parte da água no Cerrado está subterrânea. Enquanto sabemos o nível da água no reservatório da Cantareira em São Paulo, os rios e aquíferos do Cerrado permanecem desconhecidos para a maioria”.

Atualmente, o governo não planeja rever o Código Florestal para aumentar a proteção do Cerrado. Contudo, Iara anunciou que a administração trabalha em um decreto para estabelecer Áreas Prioritárias para Conservação de Águas do Cerrado, criando uma nova categoria de preservação.

“Ainda não chegamos a um ponto de não retorno no Cerrado, o que é um alívio. Porém, precisamos ser realistas: não existem soluções simples para problemas complexos. É essencial promover a conscientização no agronegócio”.

A estratégia do governo federal inclui projetos de recuperação de áreas degradadas e incentivos fiscais para produtores que preservem mais áreas do que o exigido pela legislação.

Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), comenta que o MMA enfrenta limitações para reduzir o desmatamento, pois as autorizações são responsabilidade dos estados.

“A mudança real de cenário deve vir dos governos estaduais. Porém, muitas secretarias de meio ambiente atuam como despachantes do agronegócio, facilitando autorizações sem a devida cautela.”

Posição do agronegócio

Buscamos pronunciamentos das principais entidades do agronegócio brasileiro sobre os estudos apresentados. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio não se manifestaram, assim como a Associação das Indústrias Exportadoras de Carnes.

A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) afirmou não reconhecer o estudo da Ambiental Media mencionado na reportagem e declarou que o governo é o responsável por implementar políticas que protejam o Cerrado e promovam um desenvolvimento sustentável.

A Aprosoja, principal entidade de produtores de soja do Brasil, reafirmou a sua posição contrária ao desmatamento em desacordo com as leis ambientais.

Com produção de Beatriz Evaristo e sonoplastia de Jailton Sodré

Essa série foi realizada por meio da Seleção de Reportagens Nádia Franco, uma iniciativa da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que destinou R$ 200 mil para a produção de conteúdos especiais por jornalistas da empresa.

O Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) custeou as passagens aéreas da equipe até Imperatriz (MA).

 

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