Descoberta de sepultamentos na Capela dos Aflitos reforça memória negra da Liberdade em São Paulo

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Descoberta de sepultamentos na Capela dos Aflitos reforça memória negra da Liberdade em São Paulo

Uma nova descoberta arqueológica na Capela dos Aflitos, situada na Liberdade, foi anunciada na última quarta-feira (19). O achado ocorreu durante as obras de restauração do local e traz à tona a rica memória das populações negras e indígenas que marcaram a região desde o período colonial. O trabalho é supervisionado pelo Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa.

As escavações revelaram restos mortais que podem variar de cinco a dez indivíduos, com os dados ainda sendo verificados pelos especialistas. Os corpos foram encontrados em duas profundidades distintas: a primeira a cerca de um metro, onde cinco sepultamentos organizados foram identificados, e a segunda, a menos de 50 centímetros, com um conjunto de ossos desestruturados, próximo à antiga sacristia.

Esse achado reitera o uso histórico da área como parte do antigo Cemitério dos Aflitos, que operou entre o final do século XVIII e XIX, destinado ao sepultamento de indivíduos marginalizados, como condenados à morte, pobres e pessoas escravizadas. Os enforcamentos ocorriam no Campo da Forca, que hoje é a Praça da Liberdade, e os corpos não mutilados eram sepultados nas imediações da capela.

Fabio Guaraldo Almeida, arqueólogo do DPH que acompanha os trabalhos, observa que ainda não é possível quantificar precisamente o número de indivíduos, dado que algumas ossadas estão fragmentadas. A análise dos restos será realizada em laboratório, após consulta com representantes de comunidades negras que preservam a memória da Liberdade. Além das ossadas, foram encontrados fragmentos de cerâmicas e itens funerários, incluindo um corpo adornado com um colar, sugerindo seu status dentro da comunidade.

A Arquidiocese de São Paulo, junto com o comitê gestor da obra e lideranças locais, decidiu que apenas os restos fora de sepulturas serão removidos para estudo, com a intenção de retornar os materiais para a capela após a análise, respeitando o caráter sagrado do local.

“A Capela dos Aflitos é um patrimônio tombado pelo CONPRESP. O entorno foi reconhecido como área de interesse arqueológico pela Resolução 25/CONPRESP/18, devido à presença do Cemitério dos Aflitos. O DPH, através do Centro de Arqueologia – CASP, é responsável pela preservação dos materiais encontrados. Nossa missão é garantir que esse patrimônio seja acessível e compreendido por todos, enfatizando sua importância para a memória do território da Liberdade e dos povos afro-brasileiros,” explica Fabio Guaraldo Almeida.

Continuação das investigações

Esta nova descoberta complementa um achado anterior, realizado em 2018, quando nove remanescentes humanos foram encontrados ao lado da capela, muitos com colares ligados a tradições africanas. Desde então, o terreno foi desapropriado pela Prefeitura, sendo reconhecido como um sítio arqueológico. Iniciativas para a criação do Memorial dos Aflitos têm sido promovidas para preservar essa narrativa histórica silenciada.

A partir de 2025, novas intervenções no espaço da Capela dos Aflitos e no Beco dos Aflitos serão iniciadas, englobando restaurações estruturais e melhorias no entorno, sob a orientação técnica do DPH. Pesquisas arqueológicas continuarão e resultados serão divulgados ao longo dos estudos.

Construída em 1779, a Capela dos Aflitos se tornou um ícone de resistência e fé para populações historicamente excluídas. Sua história está entrelaçada a eventos como a execução de Francisco José das Chagas, conhecido como “Chaguinhas”, cuja morte em 1821 deu origem ao nome da Liberdade.

Mesa técnica em dezembro

Para fomentar um debate público qualificado sobre o sítio, o DPH realizará uma mesa técnica no dia 17 de dezembro, na Biblioteca Mário de Andrade. O evento reunirá arqueólogos, historiadores, especialistas em patrimônio e representantes da comunidade, fortalecendo as discussões sobre as pesquisas relacionadas ao local.

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