Que a graça e a paz do Senhor Jesus estejam convosco. É com profunda reverência e um senso de urgência pastoral que me volto para este tema central da existência humana: a família, tal como Deus a concebeu, e a ação transformadora de Cristo no seu seio. A família não é uma mera instituição social; é o santuário primordial da vida, a primeira igreja, a escola do amor, e, por isso mesmo, o alvo preferencial das investidas do caos. É para este microcosmos da sociedade que Cristo dirige a sua atenção redentora, não para lhe impor um regulamento, mas para infundir uma vida nova.
Imaginemos, por um momento, uma casa. Não uma construção idealizada, mas um lar real, com suas paredes que testemunham tanto as alegrias leves, quanto os silêncios pesados. No seu interior, móveis desgastados pelo uso, fotografias que contam histórias, e um ventilador para refrescar o ambiente. Antes de Cristo, esta casa pode estar simplesmente habitada. Os seus moradores coexistem, partilham um teto, mas é verão e o calor intenso reacende ressentimentos guardados ou a temperatura morna da indiferença. A comunicação é funcional, o amor é condicional, e o perdão é uma moeda de troca. As portas interiores estão fechadas, e cada um vive no seu quarto-fortaleza.
A ação de Jesus nesta família não é a de um decorador de interiores que aplica uma nova demão de tinta sobre as paredes sujas. É a de um arquiteto que vem restaurar a planta-mestra. Quando Cristo é acolhido como o Senhor daquele lar, Ele começa por agir no termóstato da alma: o coração humano. A conversão individual é o primeiro milagre, o ponto de ignição. Aquele que era orgulhoso aprende a humildade de Cristo, que “não veio para ser servido, mas para servir” (Marcos 10:45). Aquele que era ferido descobre o poder do perdão ilimitado, “não até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mateus 18:22). Este coração renovado torna-se, ele próprio, um radiador do amor ágape – aquele amor divino, incondicional e sacrificial.
Eis então a transformação radical, a comparação que ilustra esta metamorfose:
Antes de Cristo, a família é como um agregado de ilhas próximas, mas separadas por um braço de mar. Cada ilha tem seus próprios recursos, suas defesas, e a comunicação depende de frágeis barcos que nem sempre chegam ao destino. A maré alta do stress e a tempestade do conflito isolam-nas ainda mais, tornando perigosa qualquer travessia.
Depois de Cristo, a família torna-se um continente. As águas da separação foram aterradas pela Graça. Já não são ilhas que mal se comunicam, mas um único território, solidamente alicerçado na Rocha que é Cristo. Os recursos são partilhados livremente, as estradas do diálogo e da compaixão são percorridas com naturalidade. Quando as intempéries da vida chegam – o desemprego, a doença, a desilusão –, o continente treme, mas não se fragmenta. A sua estrutura é resiliente, porque a sua fundação não é geológica, é teológica: o amor que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Coríntios 13:7).
Neste “continente-família“, os papéis são redefinidos à luz da Cruz. A liderança do pai (Efésios 5:25) modela-se no sacrifício de Cristo pela Igreja, não na dominação. A submissão da esposa (Efésios 5:22) é uma resposta livre ao amor sacrificial, uma parceria sagrada, não uma sujeição opressiva. Os filhos são vistos como “herança do Senhor” (Salmos 127:3), e a obediência a seus pais é um exercício de discipulado, honrando a ordem divina (Efésios 6:1-3).
A oração deixa de ser um ritual de emergência para tornar-se a respiração do lar. A Palavra de Deus deixa de ser um livro decorativo na estante para ser o pão partido à mesa, o conselho sábio nas decisões, a luz para o caminho. Os conflitos, inevitáveis numa comunidade de pecadores redimidos, já não são armas de destruição mútua, mas oportunidades para praticar o perdão e a reconciliação, refletindo a obra de Cristo na cruz.
Portanto, irmãos, aceitar viver com os ensinamentos de Jesus na família não é adotar um código de conduta. É permitir que o próprio Autor da Vida entre na sua casa e inicie uma obra de recriação. É uma transição da coexistência para a comunhão; da tolerância para a graça; de uma casa que é um dormitório para um santuário onde a presença de Deus se faz sentir, um farol de esperança num mundo onde tantos lares naufragam. A família cristã, assim transformada, não é um fim em si mesma. É um viveiro de santos, uma pequena igreja missionária, e o mais poderoso testemunho vivo do poder de Cristo de fazer novas todas as coisas.
Que assim seja, para a glória de Deus Pai.
Texto de Leonardo Velasco
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