Em decisão que representa um marco para a democratização dos espaços naturais brasileiros, a Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR) do Senado Federal aprovou, em caráter terminativo, o Projeto de Lei 2/2021, que assegura o livre acesso da população a praias, cachoeiras e demais áreas naturais públicas de grande beleza cênica ou interesse turístico. A proposta, que agora segue para apreciação na Câmara dos Deputados, promete colocar fim a uma prática que vem se tornando cada vez mais comum no país: a privatização velada de paraísos naturais.
De autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF), o projeto modifica o Estatuto da Cidade, legislação de 2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana no Brasil. A alteração torna explícita a garantia de acesso a esses espaços, proibindo qualquer tipo de restrição ou tentativa de privatização. Além disso, a medida determina que os planos de expansão urbana incluam diretrizes específicas para assegurar a livre circulação em áreas naturais públicas.
“Estamos enfrentando um processo crescente e preocupante de privatização de espaços que, por direito, pertencem a todos os brasileiros. Em diversas regiões do país, vemos condomínios, resorts e empreendimentos imobiliários que criam barreiras físicas ou burocráticas, onde apenas moradores ou pessoas autorizadas podem acessar locais que deveriam ser de uso comum”, afirmou a parlamentar durante a sessão de votação.
A senadora destacou ainda que, embora a legislação brasileira já preveja esse direito de forma genérica, na prática ele tem sido sistematicamente violado por construções e projetos urbanísticos que dificultam ou impedem completamente o acesso da população a praias e ao mar. “O que observamos é que esse fenômeno não se restringe mais ao litoral, mas vem se estendendo a outros locais de interesse coletivo, como cachoeiras, montanhas e outros ambientes naturais de grande valor paisagístico”, complementou Leila Barros.
O relator do projeto, senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), apresentou parecer favorável à proposta, ressaltando os múltiplos benefícios que a medida pode trazer para o país. “Não estamos falando apenas de garantir um direito constitucional, mas também de promover o desenvolvimento sustentável de regiões com potencial turístico”, argumentou o parlamentar.
Em seu relatório, Pontes enfatizou que o contato com a natureza não só promove a conscientização e educação ambiental, como também pode impulsionar significativamente a economia local por meio do turismo sustentável. “Ao organizar e garantir o acesso a esses locais, o projeto favorece a geração de emprego e renda para as comunidades próximas, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento e preservação”, destacou o senador.
A aprovação do projeto ocorre em um momento em que o debate sobre a ocupação de áreas públicas e a preservação ambiental ganha cada vez mais relevância no cenário nacional. Especialistas em direito urbanístico e ambiental consultados pela reportagem da ANP avaliam que a medida representa um avanço importante, mas alertam para a necessidade de fiscalização efetiva para que a lei não se torne letra morta.
“É fundamental que os órgãos competentes, como o Ministério Público, as secretarias estaduais e municipais de meio ambiente, além do próprio poder judiciário, estejam atentos e atuantes para garantir o cumprimento dessa legislação”, explica Maria Helena Rodrigues, professora de Direito Ambiental da Universidade de Brasília (UnB).
Para o geógrafo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Eduardo Mendonça, a aprovação do projeto pode contribuir para uma relação mais harmoniosa entre desenvolvimento urbano e preservação ambiental. “Quando garantimos o acesso público a esses espaços, também criamos uma rede de fiscais naturais, que são os próprios cidadãos interessados em manter a integridade desses ambientes”, analisa.
O projeto, que foi aprovado por unanimidade na CDR, seguirá diretamente para a Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação no Plenário do Senado. Se aprovado pelos deputados sem alterações, a proposta seguirá para sanção presidencial. Caso sofra modificações, retornará ao Senado para nova apreciação.
A senadora Leila Barros, autora da proposta, demonstrou otimismo quanto à tramitação do projeto na Câmara. “Acredito que este é um tema que transcende divergências partidárias ou ideológicas. Estamos falando do direito fundamental de todos os brasileiros de desfrutar das belezas naturais do nosso país, algo que está no DNA da nossa identidade nacional”, concluiu.
O PL 2/2021 reforça uma tendência legislativa de ampliação do conceito de função social da propriedade e de democratização dos espaços públicos, especialmente aqueles de relevante valor ambiental e paisagístico. A expectativa é que, com a aprovação definitiva da proposta, o Brasil dê um passo importante na direção de um modelo de desenvolvimento urbano mais inclusivo e ambientalmente responsável.
Para organizações da sociedade civil que atuam na defesa do meio ambiente e dos direitos coletivos, como o Instituto Socioambiental (ISA) e o Movimento Nacional em Defesa das Praias Públicas, a aprovação do projeto representa uma vitória significativa. “É um reconhecimento de que o patrimônio natural brasileiro pertence a todos os cidadãos, e não pode ser apropriado por grupos privilegiados”, afirma João Paulo Ribeiro, coordenador de campanhas do Movimento.
A matéria continuará sendo acompanhada pela equipe da ANP, que trará atualizações sobre a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados e seus desdobramentos para a política ambiental e urbanística do país.