Duração da Diária Hoteleira em Debate em Minas Gerais
O Projeto de Lei nº 3.788/2025, em discussão em Minas Gerais, está reavivando o debate sobre a duração das diárias em hotéis. A proposta sugere que a diária seja composta por 24 horas contínuas, começando ao meio-dia. No entanto, essa mudança realmente beneficia o consumidor?
Para responder a essa questão, é fundamental adotar uma abordagem mais analítica e menos emotiva.
Importância do Intervalo entre as Diárias
Em diversos setores da economia, a qualidade e a segurança dos serviços entregues aos clientes dependem de tempos de preparação que não são visíveis. Esses períodos garantem eficiência e higiene:
- No setor aéreo, por exemplo, uma aeronave não é liberada imediatamente após o pouso; são realizadas inspeções, reabastecimento e limpeza.
- Nos restaurantes, a cozinha deve estar em funcionamento antes da abertura do salão, permitindo a mise en place, higiene e preparo dos ingredientes.
- Os hospitais, por sua vez, mantêm um intervalo entre altas e novas internações para garantir a esterilização dos quartos e a troca de enxovais.
Na hotelaria, esse tempo entre o check-out e o check-in é igualmente crítico. Durante esse período, uma equipe dedicada assegura que os quartos sejam adequadamente limpos, decorando-os com novas roupas de cama, sanitizando os banheiros e repondo os itens do frigobar. Esse processo invisível promove um ambiente seguro e acolhedor para o próximo hóspede.
Problemas da Proposta de 24 Horas Corridas
Impor por lei que as diárias tenham precisamente 24 horas contínuas apresenta sérios inconvenientes práticos. Na prática, um modelo em que cada hóspede tem direito a usar o quarto por 24 horas seguidas inviabiliza a limpeza adequada, resultando em:
- Prejuízo para os consumidores, que poderiam encontrar quartos mal higienizados ou não totalmente prontos para recebê-los.
- Aumento nos custos de hospedagem, pois os hotéis teriam que aumentar sua equipe e infraestrutura para garantir a rotatividade necessária. Por exemplo, se um hóspede entra ao meio-dia e sai no mesmo horário no dia seguinte, o próximo hóspede teria que entrar com um intervalo considerável para que a limpeza fosse realizada. Isso poderia elevar os preços das diárias.
- O que se observa em grandes destinos turísticos internacionais é que os horários de check-in e check-out não são determinados por leis locais, mas sim por práticas de mercado e acordos claros entre prestadores de serviços e clientes, proporcionando previsibilidade a ambos. A uniformização se dá por meio de autorregulação, diretrizes de boas práticas e padrões globais, não por legislações estaduais fragmentadas.
A abordagem proposta em Minas Gerais contrasta com as normas de turismo globais, onde a transparência para o consumidor deve ser priorizada sem engessar o funcionamento dos hotéis.
Implicações Legais da Proposta
A proposta de lei, além de impraticável, levanta questões de constitucionalidade. A Constituição Federal, em seu artigo 22, inciso I, confere à União a competência exclusiva para legislar sobre direitos civis, incluindo contratos de hospedagem e turismo. Além disso, a Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/2008, modificada pela Lei nº 14.978/2024) já regulamenta a duração das diárias e confere ao Ministério do Turismo a responsabilidade de definir o intervalo necessário para limpeza. O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.717.111/SP) já reconheceu a necessidade de um intervalo para higienização, desde que informado previamente aos consumidores.
O Supremo Tribunal Federal também considerou inconstitucionais leis estaduais que tentaram estabelecer regras contratuais em áreas de abrangência nacional, reafirmando a competência da União.
Considerações Finais
A exigência legal de que a diária hoteleira seja de 24 horas contínuas não apenas é um erro jurídico, como representa uma ameaça à segurança sanitária e um risco de elevação nos preços para os turistas. Para que o Brasil se posicione de forma competitiva no cenário internacional de turismo, a solução deve se basear em segurança jurídica e regras federais uniformes. Criar regulamentações estaduais conflitantes apenas prejudica a política nacional de turismo.