A comitiva Yawanawá, formada por lideranças indígenas da aldeia Yawarani, no Acre, desenvolve um trabalho contínuo de circulação cultural, espiritual e educativa em diferentes regiões do Brasil e também fora do país. A presença do grupo em outros territórios tem como objetivo apresentar, de forma direta e responsável, a realidade do povo Yawanawá, sua organização social, seus rituais, sua espiritualidade e a maneira como mantêm vivos os ensinamentos transmitidos pelas gerações mais velhas.
Em entrevista exclusiva concedida ao Portal ANP, realizada na Casa Huni Kuin, com a dirigente Licianny, do povo Arara, a comitiva estava reunida durante sua passagem fora da aldeia. O encontro reuniu diferentes vozes do povo Yawanawá e permitiu compreender que o trabalho desenvolvido pela comitiva vai além das cerimônias, envolvendo ações de educação cultural, preservação da identidade indígena e diálogo direto com a sociedade não indígena.
Entre as lideranças está Ronan, conhecido em sua língua como Yawa Yawarani, responsável pela condução espiritual das cerimônias e pelo direcionamento dos trabalhos realizados pela comitiva. Dentro da cultura Yawanawá, essa função carrega grande responsabilidade, pois envolve não apenas conhecimento ritual, mas postura ética, obediência aos mais velhos e compromisso absoluto com a verdade.
Ronan explica que nenhuma decisão é tomada sem reflexão e escuta espiritual. O trabalho não acontece por impulso ou interesse externo, mas a partir de um processo interno de autorização espiritual e coletiva. Para ele, ensinar algo que não foi aprendido é desrespeitar o próprio povo.
Segundo Ronan, a espiritualidade indígena está presente em todos os aspectos da vida. Ela não se limita aos momentos ritualísticos, mas orienta a forma de viver, de se relacionar com a família, de respeitar os pais, os mais velhos e o território. A verdade, dentro da cultura Yawanawá, é um princípio fundamental, e a mentira é vista como uma ruptura grave com os ensinamentos ancestrais.
A comitiva também é formada por outras lideranças que cumprem papéis importantes nesse processo coletivo. Entre elas está Timá, irmão de Ronan, que reforça a importância da união familiar e do trabalho em conjunto. Para ele, a força da comitiva está justamente no fato de ninguém caminhar sozinho. Cada liderança carrega uma responsabilidade específica, mas todas atuam em equilíbrio, respeitando a hierarquia e os ensinamentos transmitidos dentro da aldeia.
Outro integrante da comitiva é Tepapeti, liderança que traz consigo a memória ancestral ligada ao fogo, à origem e aos primeiros ensinamentos do povo. Sua presença reforça a conexão entre passado e presente, mostrando que os saberes antigos não são algo distante, mas vivos e atualizados no cotidiano do povo Yawanawá.
Um dos pontos centrais da entrevista foi a fala de Nawátxiva, esposa de Ronan, que representa com firmeza a força da mulher indígena dentro da cultura Yawanawá. Sua fala evidencia a transformação histórica vivida pelas mulheres indígenas e o papel ativo que ocupam hoje dentro das comunidades.
Segundo Nawátxiva, carregar o nome e a história do povo Yawanawá é uma grande responsabilidade. Para ela, representar a força feminina não é apenas um papel simbólico, mas uma missão construída a partir de muito esforço e resistência.
Ela afirma que, hoje, as mulheres indígenas não caminham mais atrás dos homens, mas lado a lado, compartilhando decisões, responsabilidades e liderança. Essa mudança representa uma jornada marcada por sofrimento no passado, mas também por conquistas e reconhecimento no presente.
Nawátxiva destaca que muitas pessoas ainda desconhecem a realidade dos povos indígenas do Acre e de outras regiões do Brasil. Para ela, os encontros realizados fora da aldeia são fundamentais para que as pessoas possam compreender, de perto, como funciona a vida indígena, como são conduzidas as cerimônias e qual é o verdadeiro significado da espiritualidade dentro dessas culturas.
Ela explica que o trabalho da comitiva envolve contação de histórias, cantos tradicionais e o uso das medicinas tradicionais, como o rapé, a sananga e a ayahuasca, sempre tratados com respeito e seriedade. Nawátxiva ressalta que essas medicinas ainda são alvo de preconceito e desinformação, sendo muitas vezes classificadas de forma equivocada pela sociedade não indígena.
Para os Yawanawá, essas medicinas fazem parte de um conhecimento ancestral e são consideradas sagradas. O objetivo da comitiva não é convencer, mas esclarecer, mostrando a realidade do uso tradicional e o cuidado envolvido em cada cerimônia.
A comitiva Yawanawá recebe pessoas de diferentes perfis em seus trabalhos. Há aqueles que já conhecem a espiritualidade indígena e aqueles que chegam pela primeira vez. Por isso, os integrantes reforçam que cada cerimônia é conduzida com atenção, explicação e preparação, respeitando o tempo e o entendimento de cada participante.
Em determinado momento da entrevista, a repórter Rose Oliveira trouxe à conversa um episódio recente envolvendo o apresentador Luciano Huck, que gerou repercussão nas redes sociais ao expor uma visão considerada distorcida sobre a imagem dos povos indígenas. A comitiva Yawanawá respondeu de forma direta, mas também com ironia e segurança, afirmando que situações como essa mostram o quanto ainda persiste, na mídia e no imaginário social, a ideia equivocada de que os povos originários precisam corresponder a um modelo fixo, antigo e folclorizado para serem reconhecidos como indígenas. Em tom de brincadeira, mas com posicionamento firme, Ronan chegou a desafiar Luciano Huck a ir até a comunidade para conhecer de perto a história, a organização e a vida real do povo Yawanawá, ressaltando que só a convivência e a escuta verdadeira permitem compreender quem são os povos indígenas hoje. Segundo as lideranças, exigir uma imagem “ideal” do indígena, descolada da realidade atual, é negar a existência viva dos povos originários e ignorar suas transformações históricas. Eles reforçaram que o uso de roupas, celulares, instrumentos modernos e meios de comunicação não apaga a identidade indígena, tampouco diminui sua cultura ou espiritualidade. Pelo contrário, essas ferramentas fazem parte das estratégias atuais de defesa do território, da cultura, da língua e da autonomia dos povos indígenas. A comitiva deixou claro que não aceita narrativas que tentam congelar os indígenas no passado ou determinar como devem se apresentar ao mundo. Para os Yawanawá, respeito passa pelo reconhecimento da realidade contemporânea dos povos originários e pelo fim de representações baseadas em estereótipos e desinformação.
Durante a conversa, a comitiva Yawanawá também foi enfática ao afirmar que não depende da FUNAI nem de estruturas governamentais para existir, se organizar ou manter sua cultura viva. Segundo as lideranças, a realidade enfrentada pelo povo Yawanawá mostra que, na prática, a FUNAI não acompanha o cotidiano da comunidade e tampouco oferece o suporte necessário para garantir seus direitos básicos. Eles afirmam que aprenderam, ao longo do tempo, a caminhar com autonomia, fortalecendo sua organização interna, suas lideranças e seus próprios meios de sustento e preservação cultural. A comitiva foi clara ao dizer que não espera ações efetivas de governos, independentemente de quem esteja no poder, pois a experiência histórica mostra abandono, promessas não cumpridas e ausência de políticas reais voltadas aos povos indígenas. Para os Yawanawá, a sobrevivência cultural, espiritual e social do povo não pode estar condicionada à boa vontade de instituições que historicamente falham em protegê-los. Eles reforçam que seguem existindo, viajando, realizando trabalhos espirituais e culturais e representando seu povo por força própria, sustentados pela união comunitária, pela hierarquia tradicional e pelo compromisso com seus ancestrais, e não por dependência de órgãos oficiais ou governos.
Em um dos momentos mais marcantes da entrevista, Ronan fez questão de afirmar a dignidade e a continuidade do povo Yawanawá com palavras firmes. Segundo ele, ser Yawanawá não é uma imagem, nem uma performance para agradar ninguém, mas uma responsabilidade herdada dos ancestrais. “Nós somos um povo vivo. Nossa cultura não ficou no passado e não depende do olhar de fora para existir. Tudo o que fazemos hoje carrega o ensinamento dos nossos mais velhos. A nossa palavra tem raiz, tem história e tem compromisso com quem veio antes e com quem ainda vai nascer”, afirmou. Ronan reforçou que o povo Yawanawá segue caminhando com verdade, sem negar sua origem e sem aceitar que outros definam quem eles são ou como devem viver.
Para os Yawanawá, a cultura indígena não pode ser reduzida a uma imagem fixa ou a uma expectativa externa. O uso de tecnologia, a circulação por outros territórios e o diálogo com o mundo contemporâneo fazem parte da realidade atual das comunidades indígenas e não anulam sua identidade.
A entrevista ao Portal ANP revela uma comitiva que atua com consciência, responsabilidade e profundo respeito à própria história. Um povo que preserva sua cultura sem congelá-la no tempo, que dialoga sem se descaracterizar e que segue afirmando sua existência com verdade e dignidade.
A comitiva Yawanawá segue sua jornada levando conhecimento, fortalecendo alianças e reafirmando que a cultura indígena é viva, diversa e construída diariamente por homens e mulheres que sabem exatamente quem são e o que representam.
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