Uma avaliação emitida por um parecerista vinculado à Secretaria de Cultura de Goiás (Secult) gerou forte reação no meio artístico ao afirmar que um projeto cultural se enquadrava como “artesanato” e não como “artes visuais”. A justificativa, que apontava falta de “qualidade pictórica e conceitual”, foi duramente criticada por especialistas, que a consideram uma visão reducionista e ultrapassada sobre a produção artística.
A controvérsia foi levantada por Mestre Velasco, advogado e pesquisador, que em um artigo contundente classificou a análise como uma “ofensa flagrante à inteligência coletiva” e uma “ignorância abissal sobre a história da arte”. Segundo ele, a separação rígida entre artista e artesão é uma construção social e histórica que perpetua o elitismo e desvaloriza manifestações culturais brasileiras, especialmente as de origem indígena e afro-brasileira.
Hierarquia entre arte e artesanato é questionada
O centro do debate é a dicotomia entre o que é considerado “arte” e o que é rotulado como “artesanato”. Críticos do parecer argumentam que essa separação é uma ferramenta de exclusão. Historicamente, essa divisão se aprofundou no Renascimento europeu e foi agravada no Brasil pelo colonialismo, que frequentemente desvalorizava técnicas tradicionais como “primitivas” ou meramente “utilitárias”.
Movimentos artísticos, como o modernismo brasileiro, já trabalharam para dissolver essas fronteiras, com artistas como Tarsila do Amaral incorporando elementos do folclore em suas obras. Atualmente, artistas contemporâneos utilizam fibras, cerâmica e madeira, desafiando categorizações. Insistir nessa separação, segundo Velasco, é um anacronismo que ignora a complexidade e o valor conceitual de mestres como Vitalino Pereira dos Santos, cujas obras em barro são reconhecidas nacionalmente.
Qualidade pictórica e conceitual em debate
A afirmação de que falta “qualidade pictórica” às peças foi vista como uma visão limitada, presa a técnicas acadêmicas. Especialistas defendem que a maestria em cor, forma e composição está presente em diversas mídias, como tapeçarias e cerâmicas, que possuem um impacto visual tão relevante quanto o de uma pintura a óleo.
Da mesma forma, a suposta ausência de “qualidade conceitual” foi rebatida. Argumenta-se que o artesanato brasileiro é carregado de conceitos, como memória cultural, espiritualidade, crítica social e inovação, expressos em objetos que vão de rendas a peças feitas com material reciclado. Negar essa dimensão seria, na visão dos críticos, uma análise superficial que empobrece a diversidade da arte produzida em Goiás e no país.